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Réquiem para o telefone


Link [2022-03-28 03:12:55]



Se você, como eu, ainda é usuário de um exótico telefone fixo, sabe do que estou falando. É raro alguém atender às nossas ligações. Com razão: chamadas de telefones fixos tornaram-se sinônimo de telemarketing. Eu próprio, quando recebo uma, só a custo consigo manter certo humor. Digo: "Desculpe, minha filha. Não posso falar com você agora. Vovó acaba de falecer aos 99 anos". E, quando a moça se desmancha em "Oh! Meus pêsames!", acrescento: "Obrigado. Ela morreu de parto". E levo uma desligada rápida. Da mesma forma, sei que até os telefonemas de celular para celular passaram a ser ignorados. As pessoas hoje só se comunicam por WhatsApp. É o fim do telefone, depois de quase 150 anos de grandes serviços prestados. Em breve ninguém acreditará que, até cerca de 1990, ele era um dos bens mais valiosos do Brasil -famílias iam aos tribunais por uma linha ou um aparelho. Um telefone correspondia a xis ações da companhia telefônica. Era obrigatório declará-lo no imposto de renda. Comprá-lo levava séculos -uma linha demorava tanto para sair que podia-se morrer de velhice esperando. Entrava-se em consórcios para adquiri-lo e as pessoas davam festas ao serem sorteadas. Os testamentos o incluíam entre os bens do inventariante, junto com o carro ou o apartamento. E, nos divórcios, era tão disputado que, às vezes, o casal desistia da separação -valia a pena continuar aturando o cônjuge para não perder o telefone. Com cruel frequência, Paulo Francis escrevia em sua coluna na Folha nos anos 80 que, em Nova York, onde ele morava, um telefone era a coisa mais fácil do mundo. Ligava-se do orelhão para a telefônica e, em uma hora, vinha um sujeito de macacão com um aparelho, plugava-o na tomada e passar bem. Morríamos de inveja e nos perguntávamos como podíamos ser tão atrasados. ? E, justamente agora que podemos ter isso, não queremos mais saber do telefone. Leia mais (03/27/2022 - 20h30)



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