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Entre o luto e a poesia


Link [2022-02-05 00:53:23]



Ao procurar iniciativas sobre luto, uma amiga disse que o lugar mais acolhedor que encontrou foi um curso de escrita criativa. Por mais que não fosse focado diretamente no assunto, enxergou ali espaço para viver seu processo de luto. Cada pessoa irá lidar com esse sentimento de uma forma. A literatura não é a única, mas pode ser um dos caminhos. Embora eu seja escritora e jornalista, não sou especialista no assunto, mas divido com vocês algo que aprendi entrevistando a escritora Cidinha da Silva: "Mais que o exercício de uma função, a literatura nos oferece isso como dádiva, como possibilidade de expansão da alma, da percepção, e aí, a gente vai se nutrindo, crescendo, ampliando possibilidades de leitura e de interpretação do mundo". A escrita é meu espaço mais seguro desde a infância, seja por meio de diários ou outros papéis escondidos pela casa. A literatura expandiu minha alma, como sugere Cidinha, dentro das dores do luto. Me nutriu, me ajudou a crescer e ampliou minha possibilidade de ler e interpretar os lutos por outros ângulos, me ajudando a atravessar esse período. "Faz seis anos Uma pilastra extensa Caiu no quintal Espalhou Mais cortante Que mil espelhos Perfura Funda O corpo-casa" Este é o trecho de uma poesia que fiz quando a morte de meu pai completou seis anos. Esse refúgio poético não é um ineditismo meu. Escritores e escritoras recorreram a ele para expressar o que sentiam, tanto individual quanto coletivamente. Sempre que leio os poemas de Wislawa Szymborska sinto a precisão de suas palavras, na dureza e dor dos esqueletos sendo arredondados para zero. "Escreve isto. Escreve. Com tinta comum em papel comum: não lhes deram comida, todos morreram de fome. Todos?. Quantos? É uma grande campina. Quanta grama coube a cada um? Escreve: não sei. A história arredonda os esqueletos para zero. Mil e um é sempre e apenas mil. Esse um, é como se nunca existisse: embrião imaginado, berço vazio, cartilha aberta para ninguém, ar que ri, grita e cresce, escada para um vazio que corre para o jardim, lugar de ninguém na fila" Resenhei o livro "Notas sobre Luto", de Chimamanda Ngozi, onde ela diz sobre a morte do pai. Também listamos aqui no Morte Sem Tabu uma relação com 21 livros sobre morte e luto. ?A lista de escritores que já trataram sobre o assunto é extensa. ALém das já citadas, são exemplos também Ezra Pound, Roland Barthes, Paul Valéry, Hilda Hilst, Orides Fontela, Julia Bac, entre tantos outros nomes. A morte, assim como o amor, é um tema universal. Afinal, nós todas e todos, em algum momento, iremos atravessar algum ou alguns lutos, não apenas de mortes físicas, mas também simbólicas. A própria pandemia e o fim do mundo presumido é uma delas. Para partilhar e propor exercícios poéticos por meio do luto, a Casa das Rosas realiza o Curso "Poesia de Luto e de Luta", que acontece nos dias 10, 15 e 17 de fevereiro, no jardim da Casa, situado na Av. Paulista, 37. A ideia surge a partir da exposição de Siron Franco, instalada no jardim da instituição, na qual o artista homenageia as trágicas perdas pela Covid-19 no Brasil. A oficina propõe ler e discutir poetas em que o luto seja o tema central. Os participantes serão convidados a criar poemas a partir da dor pessoal e coletiva, enquanto observam a instalação de Franco. Excertos dos textos serão posteriormente expostos no mesmo jardim em que estarão as obras do artista. Para participar, basta se inscrever por meio do link: https://www.casadasrosas.org.br/agenda/2472-poesia-de-luto-e-de-luta até sábado (5/2) para entrar na lista de espera, já que as vagas já estão esgotadas. Para entender melhor como será o curso e o que esperar de seu conteúdo, conversamos com os professores do curso: o poeta, ensaísta e crítico literário Reynaldo Damazio e a editora de cultura e poeta Michaela Schmaedel. Morte Sem Tabu: Como surgiu a ideia de falar de poesia de luto? Reynaldo e Michaela: A ideia da oficina Poesia de luto e de luta surgiu a partir de um diálogo com a exposição de Siron Franco, chamada Renascimento, que está exposta no jardim do museu. O artista homenageia as vítimas da pandemia de Covid-19 e os profissionais de saúde. Paralelamente a ela, preparamos três aulas para trabalhar poeticamente o luto individual e coletivo. Como fazer um poema sobre o luto que seja original? Como não cair no sentimentalismo? Como usar bem as imagens, o ritmo, a forma e as ideias no poema? Para isso, vamos falar de alguns conceitos de Ezra Pound, de Roland Barthes, de Paul Valéry, de Wislawa Szymborska, de Friedrich Nietzsche e de Freud, sobre o luto, especificamente. Na segunda parte das aulas, vamos ler poetas que trabalharam a temática, como Hilda Hilst, Orides Fontela, Julia Bac, Rodrigo Lobo Damasceno, Danez Smith, entre outros. Leia mais (02/04/2022 - 18h30)



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